Caderno Crítico

Friday, March 31, 2006

O Argumento Cosmológico

Na senda do problema metafísico para a existência de deus, e visto ter mostrado num post anterior um argumento a favor do ateísmo, irei agora demonstrar o mais simples dos argumentos que visa provar a existência de deus: O Argumento Cosmológico. O Argumento Cosmológico afirma que não pode haver uma regressão infinita de causas para que as coisas existirem. Afirma assim que deus é a causa final de todas as coisas que existem. Uma das formas do Argumento Cosmológico, posto de maneira simples: (1) Tudo o que existe tem uma causa. (2) Nada se pode causar a si próprio. (3) Logo, tudo é causado por outras coisas. (4) Uma corrente causal não se pode estender até ao infinito. (5) Logo tem de existir uma primeira causa. Aplicado a Deus: (1) Tudo o que existe tem uma causa. (2) O Universo existe. (3) O Universo tem uma causa para a sua existência. (4) Se o Universo tem uma causa para a sua existência, essa causa é Deus. (5) Deus existe. Tomás de Aquino, filósofo medieval, formulou uma versão diferente do Argumento Cosmológico à qual denominou Argumento do Movimento. Afirmava que as coisas em movimento não puderam vir a movimento, mas que foram causadas a movimento. Não pode existir uma regressão infinita de movimentos, e logo tem que existir um Movedor que causa as coisas a movimentarem-se. O Movedor a que Tomás de Aquino se refere é obviamente Deus. Uma das maiores fraquezas que o Argumento Cosmológico demonstra é que se todas as coisas que existem possuem uma causa, então também deus deve possuir uma causa. Iremos assim sempre regredindo, e implica que existam um número infinito de causas. Entra-se assim num paradoxo. Deus é então um ser sem causa.

Thursday, March 30, 2006

Do Relativismo por Fernando Savater

(...) "Quando nos pomos a raciocinar torna-se impossível (e sem dúvida indesejável) negar a importância dos nossos condicionamentos socioculturais ou psicológicos mas... poder-se-á garantir que invalidem completamente o alcance universal de algumas verdades atingidas a partir delas e apesar deles? As descobertas científicas da única mulher que ganhou o Prémio Nobel, Madame Curie, são válidos só para as senhoras e não também para os homens? Deverão os japoneses do século XX desconfiar do valor que para eles tem a lei da gravidade descoberta por um inglês emperucado do séxculo XVII chamado Newton? Ter-se-ão enganado os nossos antepassados renascentistas europeus ao mudar a numeração romana, tão própria da sua identidade cultural, pelos muito mais operativos algarismos árabes? Os indígenas peruanos que descobriram as propriedades febrífugas da quinina séculos antes dos europeus, utilizaram uma lógica e uma observação experimental muito diferentes das nossas? O facto indubitável de Marx pertencer à pequena burguesia, invalida a sua análise sobre o proletariado? Deveria Martin Luther King, por ser negro, ter renunciado a reclamar os direitos de cidadania iguais para todos, estabelecidos pelos pais fundadores da Constituição dos Estados Unidos, que eram todos sem excepção brancos? Por fim: é uma verdade racional universal e objectiva a de que não existem ou não podem ser atingidas pelos humanos as verdades universais racionalmente objectivas? Parece evidente que o peso dos condicionamentos subjectivos varia muito conforme o «campo da verdade» que em cada caso estivermos a considerar: se falarmos da mitologia, de gastronomia ou de expressão poética, o peso da nossa cultura ou da nossa idiossincrasia pessoal é muito mais concludente que quando nos refermos às ciências da natureza ou aos princípios da convivência humana. Seja como for, e para verificar até que ponto os nossos conhecimentos estão imbuídos de subjectivismo necessitamos de um ponto de vista objectivo a partir do qual possamos compará-los uns com os outros...e todos com uma certa realidade independente deles a que se referem! Enfim, até para desconfiar dos critérios universais da razão e da verdade precisamos de alguma coisa como uma razão e uma verdade que sirvam de critério universal. No entanto, o contributo mais valioso do relativismo consiste em sublinhar a impossibilidade de estabelecer uma fonte última e absoluta, da qual provenha todo o conhecimento verdadeiro. E isso não se deve ás insuficiências acidentais da nossa sabedoria que o progresso científico poderia remediar, mas à própria natureza da nossa capacidade de conhecer. Talvez por isso um teórico importante do nosso século, Karl R. Popper, tenha insistido em que não existe nenhum critério para estabelecer que se atingiu a verdade, sem deixar ao mesmo tempo de conservar para a epistemologia um critério último e definitivo dae verdade (a noção tarskiana da verdade). A única coisa que está ao nosso alcance na maioria dos casos, segundo Popper, é descobrir os sucessivos erros que existem nos nossos posicionamentos e purificar-nos deles. Deste modo, a tarefa da razão acaba por se mostrar bem mais negativa (assinalar os múltiplos equívocos e inconsistências no nosso saber) que afirmativa (estabelecer a autoridade definitiva da qual provém toda a verdade)."

in As Perguntas da Vida por Fernando Savater
Fernando Savater é catedrático de Filosofia na Universidade Complutense de Madrid, autor de mais de quarenta livros de ensaio, narração e teatro.

Saturday, March 25, 2006

Problemática da omnipotência divina

A reflexão de hoje tem como tema a apresentação de um dos argumentos contra o existência de uma entidade divina, ou seja, um tema abordado pela Filosofia da Religião. A omnipotência é essencial ao conceito de divindade. Logo, se deus existe, é omnipotente. Mas é frequentemente afirmado que o conceito de omnipotência é paradoxal e logicamente incoerente. Passo a demonstrar: A melhor forma de confrontar o teísta com a problemática da omnipotência é apresentar-lhe um dilema do género do que se segue: "Poderá deus criar uma pedra tão pesada que não a consiga levantar?" Se deus conseguir criar efectivamente a referida pedra, mas não a conseguir levantar, verificamos que deus não é omnipotente, pois é-lhe impossível levantar a sua criação. Se deus não conseguir criar uma pedra tão pesada que não a consiga levantar, verificamos mais uma vez que deus não é omnipotente. Então: - Deus pode ou não pode criar uma pedra que não consiga levantar - SE deus pode criar uma pedra que não consegue levantar, então deus não é omnipotente. - SE deus não pode criar uma pedra que não consegue levantar, então deus não é omnipotente. Logo: - Deus não é omnipotente. -SE deus existe, é omnipotente. -Concluimos que deus não existe.

Friday, March 24, 2006

Do acriticismo patente na "Geração Morangos"

Todos os dias somos bombardeados por anuncios. Desencontro-me entre as, seguramente, centenas de anuncios cuja mensagem apela à compra de mais um produto. Compre. Mesmo que não necessite. Compre. Gaste dinheiro. Mantenha a circulação de divisas, pois "o dinheiro não foi feito para se guardar, mas sim para gastar". Mas esta crítica não tem por objectivo discutir os pilares centrais do capitalismo. A televisão, enquanto meio de dissipação cerebral, não se fica pelos anúncios a partir dos quais se faz financiar; também as suas pobres produções dramáticas, vulgo telenovelas, também se encontram tomadas de assalto pela fúria do consumo. Sendo o exemplo mais gritante a obra dramática que se transformou no símbolo de uma geração: sim, refiro-me a "Morangos com Açucar". Esta fantástica produção da TVI lidera uma autêntica revolução cultural marcada pelo acriticismo, pela futilidade e pelo superfluo: basta assistir a um episódio dos "Morangos" e visitar uma das muitas Escolas Secundárias portuguesas. O leitor pensará, decerto, ter entrado num dos estúdio de gravação da dita telenovela e não num estabelecimento de ensino secundário. Modas replicam-se, comportamentos imitam-se, resumem-se e discutem-se os amores e dissabores das personagems da dita "obra". Mas o mais alarmante é assistir à transformação mental que os jovens sofrem quando expostos a tamanho lixo televisivo: um autêntico dispositivo de reprogramação mental. Dos mais eficazes, numa sociedade onde a acefalidade, o acriticismo, e valores como o consumo, o materialismo e a ausência de código moral autónomo imperam. Mas não são apenas os jovens os alvos do braço envangelizador do capitalismo: os pais são os primeiros a incentivar o consumo, adquirindo o último grito da computação informática móvel, o último grito em termos de comunicações móveis, o mais recente modelo daquela aparelhagem sonora. Em suma, adquirindo tudo o que o vizinho do lado tem, e tudo aquilo que o vizinho do lado não tem mas gostaria de ter. Adquirem todos estes produtos, mas alimentam-se a sopa e pão durante os restantes dias do mês. Adquirem-nos, na tentativa acéfala, mas infelizmente bem sucedida de impressionar o tal vizinho do lado. E assim, a partir das obras desprovidas de conteúdo que passam nas nossas televisões, dá-se o mote para a destruição de qualquer sentido critico, para qualquer interpretação minimamente fundada da nossa realidade. A realidade da minha geração passou a ser a música que o galã da novela ouve, a roupa que veste, os gostos pelos quais nutre interesse, etc. Dá-se assim uma generalização perigosa da realidade colectiva, que leva à perda de identidade individual/colectiva. O que é de lamentar, mas que parece ter-se tornado num processo irreversível.

Pedra Filosofal

Eles não sabem que o sonho é uma constante da vida tão concreta e definida como outra coisa qualquer, como esta pedra cinzenta em que me sento e descanso, como este ribeiro manso, em serenos sobressaltos como estes pinheiros altos que em verde e ouro se agitam como estas aves que gritam em bebedeiras de azul. Eles não sabem que o sonho é vinho, é espuma. é fermento, bichinho alacre e sedento. de focinho pontiagudo, que fossa através de tudo num perpétuo movimento. Eles não sabem que o sonho é tela, é cor, é pincel, base, fuste, capitel. arco em ogiva, vitral, pináculo de catedral, contraponto, sinfonia, máscara grega, magia, que é retorta de alquimista, mapa do mundo distante, rosa dos ventos, Infante, caravela quinhentista, que é Cabo da Boa Esperança, ouro, canela, marfim, florete de espadachim, bastidor, passo de dança., Colombina e Arlequim, passarola voadora, para-raios, locomotiva, barco de proa festiva, alto-forno, geradora, cisão do átomo, radar, ultra som televisão desembarque em foguetão na superfície lunar. Eles não sabem, nem sonham, que o sonho comanda a vida. Que sempre que um homem sonha o mundo pula e avança como bola colorida entre a mãos de uma criança. António Gedeão