Caderno Crítico

Sunday, April 09, 2006

Da Propriedade Intelectual e da Cultura Livre

Relativamente ao alvoroço que tem sacudido Portugal, no que concerne ás actividades de carácter ilegal e terrorista da IFPI contra a partilha de música online, proponho-me discorrer sobre as minhas ideias no que toca à propriedade intelectual e à liberdade da cultura. Do meu ponto de vista, penso que a cultura deveria ser livre e sem restrições. A propriedade intelectual não se presta aos mesmos condicionamentos da propriedade física: eu posso disfrutar de uma composição musical sem impedir o seu criador de o fazer de igual forma.Os actuais problemas da 'exploração dos direitos de autor' têm origem sobretudo com o advento do capitalismo, onde se torna possível explorar tudo em busca de lucro.Isto põe o problema da remuneração do criador da propriedade intelectual. Na minha opinião, uma obra intelectual, no sentido estético, consegue atingir a sua plenitude quando não incorpora o objectivo monetário no processo de criação. Quando o faz, torna-se nublada, diria que até mesmo forçada. Estamos perante um problema complicado: a par do reconhecimento da qualidade da obra, através de críticas, através do seu possível usufruto por terceiros, passou-se a visar um objectivo financeiro, que passou a ser visto como estímulo para a criação de novo material cultural. Mas os autores que consideramos como grandes referências da cultura ocidental, alguma vez receberam elevadas somas de dinheiro pelo contributo que fizeram para o enriquecimento cultural do seu povo, e em última instância, da humanidade?Quais seriam as consequências se o pensamento filosófico de Sócrates, de Platão ou de Pitágoras tivesse sido protegido pelos direitos de autor e fôssemos obrigados a pagar uma taxa pelo seu usufruto? Teria o pensamento ocidental atingido o nível que atingiu, perante tal condicionamento? O ponto que defendo consiste no conceito de livre circulação de cultura (não me refiro ao plágio, que é condenável sobre qualquer circunstância) que contribui, indubitavelmente para um desenvolvimento humano mais acelerado e saudável. Não é ético o facto de uma corporação tranformar as descobertas dos seus cientistas em segredos empresariais, e os administrar a seu bel-prazer, frequentemente tendo em vista o lucro em detrimento do humanismo. Tomando como titulo de exemplo, Se uma grande corporação médica descobrir a cura da SIDA, esta ficará fechada nos seus cofres, e apenas esta decidirá como a administrar. Provavelmente vendê-la-à a quem a desejar comprar, sendo o governo cliente habitual, por uma elevada soma de dinheiro. Não seria mais saudável se esta cura para a SIDA fosse um bem comum, em vez de propriedade de uma só empresa, que decide com base no que é mais lucrativo? Defendo a livre circulação da cultura, que esta não deve ser pertença de uma só pessoa ou corporação. Deve ser um bem comum. Afinal, nós só nos é possível produzir cultura através de outros fragmentos de cultura. Se os gregos tivessem criado uma "lei de copyright" e a aplicassem sobre a sua rica produção mitológica, a produção literária dos séculos seguintes teria perdido imenso com esta medida. É impossível não pensar nas possibilidades negativas que as leis de copyright oferecem: um uso agressivo e generalizado deste tipo de medidas pode paralizar o desenvolvimento humano. Basta pensar que cada pedaço de cultura produzida pode ser submetida a estas leis, ou seja, cada descoberta científica, cada texto, cada composição musical está sujeita a um tratamento muito pouco humano: pura mercadoria. Não sou totalmente anti-copyright, porque penso que tem que se dar crédito ao criador da ideia, e não tolero a apropriação abusiva. E que se o autor assim o desejar, se pague uma soma adequada pelo seu esforço (nada que se aproxime da exploração actual). Mas penso que a partir daí, a ideia possa ser distribuída de pessoa para pessoa sem custos adicionais. O ser humano é um animal cultural, e sem cultura não existe humanização. A sociedade em que vivemos (capitalismo) transforma tudo em mercadoria, incluindo a própria cultura que nos torna humanos e providencia sentido à nossa existência. A produção de cultura deveria ser um acto que tem em vista o puro prazer estético, e nunca o lucro. O lucro, esse, poderia advir de forma secundária, mas nunca ser o objectivo principal. Umas das teses apresentadas é a de que o músico, por muito prazer estético que tenha na produção da sua obra, ainda assim precisa de ser compensado pelo tempo que gasta na produção da música. Se tivesse um trabalho paralelo, provavelmente nunca conseguiria produzir uma obra tão rica como a que é produzida enquanto detentor de mais tempo. Precisa de meios para subsistir. Este facto leva-nos a questionar os próprios pilares do capitalismo. Um dos seus princípios é a exploração através do trabalho. Não pretendendo discorrer muito sobre a natureza do capitalismo (eventualmente escreverei um artigo sobre o assunto) basta-nos pensar que passamos grande parte da nossa existência a trabalhar - e a descansar do trabalho.Desta forma,não conseguimos dedicar o tempo que gostariamos ao ócio.Não podemos esquecer que foi do ócio que surgiram os grandes desenvolvimentos culturais a nível do pensamento ocidental. A partir do momento em que os gregos se conseguiram livrar do trabalho braçal pesado, tiveram tempo para se dedicar aos assuntos que pediam a sua atenção.Através da abolição do capitalismo, e de uma justa distribuição do emprego por todos, e por menos horas, através de um sistema económico radicalmente diferente, conseguiremos obter o estado em que a produção cultural não esteja condicionada a variantes económicas, e que possa ser produzida pelo puro deleite estético. Para ler mais sobre os conceitos de copyright e copyleft: http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2002/06/29908.shtml

3 Comments:

  • Faz-me sentido o que escreves, se é bom porque não partilhar ... isto agora era uma daquelas que dáva aqui pano para mangas ... tipo, se compro um CD porque raio vem ele equipado com uma tecnologia que não mo deixa reproduzir sequer no meu pc ????

    Olha, é melhor nem puxar por mim senão nunca mais daqui saíamos ...

    Uma beijoca encaracolada em forma de ovo de Páscoa !!!! :))))

    By Blogger Caracolinha, At 4/13/2006 11:55:00 AM  

  • Oi Flávio ...

    Vim deixar uma beijoca encaracolada em forma de cravo vermelho !!!!

    By Blogger Caracolinha, At 4/25/2006 09:41:00 AM  

  • Beijinho, caracolinha :)

    Tento apresentar argumentos razoáveis, O Verdadeiro Anarquista ^^

    By Blogger Flávio Santos, At 4/28/2006 04:48:00 AM  

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