Caderno Crítico

Wednesday, April 05, 2006

Da Astrologia

É desconcertante observar a forma como as pessoas dão importância à astrologia, ver como as pessoa acatam as 'previsões' feitas por uma 'ciência' que se socorre de noções pré-Copérnico para explicar os movimentos celestes e estabelecer uma suposta relação de causalidade entre estes movimentos e os eventos que tomam lugar na nossa vida, aceitando cada palavra proveniente do que pensam ser um qualquer proeminente mestre do misticismo.

A astrologia reveste-se de inúmeras falácias e serve-se de instrumentos muito pouco científicos. Todas as asserções feitas sobre determinado evento/indivíduo são feitas a partir de uma perspectiva geocêntrica (qualquer pessoa minimamente culta sabe que Galileu enviou o geocentrismo para o seu devido lugar). Que dizer sobre um indíviduo que poderá vir a nascer em, digamos a titulo de exemplo, Marte? E de um indíviduo que nasça num ponto do Universo onde as constelações que integram a tradição astrológica não sejam visíveis? E visto que a astrologia se serve da simultaneidade universal, qual será o mapa astral de um indivíduo que nasça num veículo que se desloca à velocidade da luz? São hipóteses perfeitamente válidas e pertinentes do ponto de vista lógico.A astrologia toma como princípio a imutabilidade do Universo. Mas à luz da astronomia (uma ciência que possui grande valor, e que a astrologia insiste em desrespeitar) o Universo está em constante mudança. O céu que vemos hoje não é o céu que os antigos babilónios viram. Não é o mesmo céu que o nosso antepassado, o homo erectus viu. Não é o mesmo céu que daqui a um milhão de anos os nossos descendentes verão. Não existe, simplesmente, qualquer fundamentação lógica ou científica para a astrologia.

É aceitável e concebível que o ser humano, fruto da insegurança, tal como inventou deus para explicar os fenómenos naturais que o rodeavam, se socorreu da invenção de um corpo de saberes que procurava explicar o seu destino. Voltou-se assim para o céu e para as estrelas, aquilo que mais lhe era transcendente. É no entanto inaceitável que tantas pessoas, numa era em que a ciência (peço desculpa pela possível arrogância da minha afirmação) triunfa sobre deus e sobre os saberes arcaicos, se sirvam de noções pré-Copérnico.

Desde "o redactor da revista cor-de-rosa que despeja um conteúdo aleatório" ao "místico que acredita realmente naquilo que diz" somos inundados por analíses da nossa personalidade (um insulto à psicologia) previsões do nosso futuro, generalizações estúpidas, que afirmam que 'os indivíduos nascidos dia X do mês Y do ano Z irão beneficiar de A, B, C e terão contra si os factores F, G e H'.Mais importante ainda, a forma como as pessoas acreditam naquilo que é um perfeito exemplo do 'efeito de Barnum' mostra a acefalidade que é a base da vida de muitos indivíduos da nossa sociedade. O Efeito de Barnum, referido acima, afirma que as pessoas tendem a aceitar descrições de personalidade vagas e muito gerais como se se adequassem apenas ao seu caso, sem perceber que a mesma descrição pode aplicar-se perfeitamente a um grande número de indivíduos. É este o factor que, a par do efeito placebo, determina a crença das pessoas nas pseudociências.

A astrologia, essa ciência que desrespeita constantemente os avanços feitos pelos astrónomos, psicólogos e outros cientistas pertencentes a outros campos do saber, constitui uma fraude voluntária (perpetuada por indivíduos que sabem que a astrologia é uma fraude) ou involuntária(perpetuada por indíviduos que acreditam naquilo que fazem). E o perigo reside na acefalidade dos indivíduos que aceitam a astrologia, mesmo a menor escala, como explicação dos eventos que tomam lugar no decurso da sua vida.

A astrologia não é mais do que uma busca de orientação e conforto numa sociedade caracterizada pela incerteza e pelo bombardeamento constante de informação.

3 Comments:

  • É a astrologia, é os emails em cadeia, parece que ainda estamos na era medieval ou algo que se pareça, acreditamos em tudo o que nos dizem mas admirome porque tanto acreditamos nestas coisas e agimos segundo as instruções que nos são dadas, "ah esta semana vai ter sorte no amor portanto vista-se de azul e ouça Ágata ás 4 da manhã todos os dias"(ou algo que se pareça) como suspeitamos das intenções do nosso vizinho quando nos diz qualquer coisa ou nos pede sal emprestado, é a sociedade que temos infelizmente.

    By Anonymous Anonymous, At 4/06/2006 09:38:00 AM  

  • Olá Flávio, anes de mais queria agradecer-te muito a visita à casquinha, não só pela simpatia demostrava mas também pela assertividade do discurso ...

    Gostei de ler a tua apresentação, gosto de pessoas que têm a capacidade de se indignar e de remar contra uma maré de passividade e hipócrisia.

    O post que fizeste vai ao encontro daquilo que penso sobre a astrologia, designadamente quando vemos espectáculos televisivos dignos da melhor stand up comedy .... então o top 12 dos signos do dia arrebata-me completamente !!!! Sem falar dos professores karambas que florescem como cogumelos em cada esquinha !!!!

    Sem falar nas previsões diárias dos jornais e das revistas cor de rosa !!!!

    Entristece-me ver o vazio que por vezes se instala na vida das pessoas, a falta de horizontes e o desconhecimento da realidade para se entregarem a estes "especialistas" ...

    Uma beijoca encaracolada e fica o convite para mais voltas tuas à casquinha ... a minha casca é a tua casa !!!!

    Eu voltarei de certeza !!!! :))))

    By Blogger Caracolinha, At 4/08/2006 03:29:00 PM  

  • Obrigado pelo comentário/crítica positiva :)

    É sempre uma lufada de ar fresco, constatar que ainda há pessoas, como é o teu caso, que não aceitam tudo o que é dito de forma completamente acrítica ;)

    É de facto preocupante ver o despontar de cada vez mais 'professores karamba' e 'maaya's' que, acreditando naquilo que dizem ou não, acabam por causar dano, quanto mais não seja pela sua contribuição para a automatização das pessoas, que condicionam o seu comportamento pelas informações recebidas dos horóscopos.

    Já agora, és de Psicologia, certo? A par de Filosofia, Psicologia é uma das hipóteses que tenho em conta para a minha formação superior :) Irei escrevendo alguns artigos sobre psicologia, sobretudo na área da Psicologia Cognitiva, que me desperta mais interesse.

    Beijo e obrigado pela oferta de 'abrigo' na tua casquinha!

    By Blogger Flávio Santos, At 4/09/2006 09:10:00 AM  

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